Introdução
Por muitos anos o financiamento de empresas e projetos de infraestrutura foram realizados com recursos públicos, principalmente por conta dos longos prazos de maturação e elevados volumes de recursos necessários para esse tipo de investimento. No entanto, dado o crescimento do déficit fiscal aliado à crise político-econômica de 2014 em diante, medidas de austeridade como o teto de gastos foi adotado em 2017, afetando assim o montante de investimentos públicos em infraestrutura em comparação com anos anteriores de maior expansão fiscal. Assim, em 2019, apenas 1,69% do PIB foi destinado a investimentos no setor, valor muito inferior ao de outros países como China e Índia, que chegam a investir acima de 6% do PIB.
Diante deste cenário, o investimento privado se torna uma alternativa para o desenvolvimento e modernização da infraestrutura nacional. Houve recente mobilização política para a flexibilização dos investimentos privados no setor, atingindo aeroportos, portos, rodovias, ferrovias, hidrovias, energia, parques, saneamento, entre outros. Exemplos recentes foram os marcos do saneamento em 2020 e a aprovação no Senado do marco das ferrovias em Outubro de 2021.
O Gráfico 1 abaixo traz a composição do investimento no setor de infraestrutura entre 2010 e 2018. Mostra redução percentual de investimento público a partir de 2011, apresentando a queda mais acentuada justamente quando da entrada em vigor do teto de gastos públicos em 2017 (queda de 30% em relação ao ano anterior). Já na iniciativa privada, o decrescimento em percentual do PIB iniciou em 2014 e pode ser atribuído principalmente ao cenário de crise político-econômica que o país passa a enfrentar e que afasta principalmente o investimento estrangeiro.
Gráfico 1: Investimentos em Infraestrutura (% do PIB e % financiado por PE)
O Gráfico mostra ainda que investimentos de Private Equity (PE) em Infraestrutura, com base nos valores que foram integralizados por investidores em veículos de investimentos regulados no Brasil, representaram em média apenas 2,6% do investimento no setor durante o período analisado. Tais fundos investem em geral por meio de equity (capital próprio) ou debêntures conversíveis em equity das empresas ou sociedades de propósito específico (SPEs). Como boa parte da necessidade de investimento em um projeto de infraestrutura é oriundo de capital de terceiros (debêntures, empréstimos, bonds etc.), considerando uma proporção de R$2 de dívida para cada R$1 de equity, podemos considerar que os projetos e empresas que receberam investimento de fundos de private equity tenham sido responsáveis por algo como 7,8% do investimento em infraestrutura, sugerindo assim ainda ampla margem para o crescimento deste tipo de investimento privado no país.
O surgimento de fundos de private equity dedicados a infraestrutura no Brasil data de 2004, com fundos como:
- Energia PCH: lançado pela Infra Asset Management. Atualmente gerido pela Vinci Partners;
- Brasil Energia: lançado em 2005 pelo BTG Pactual; e
- InfraBrasil: lançado em 2006 por iniciativa dos fundos de pensão, tendo sido inicialmente gerido pela unidade de PE do ABN Amro no Brasil, posteriormente adquirida pelo Santander e mais recentemente pela Angra Partners.
Assim, de 2004 a 2018, um total de 61 fundos de PE dedicados à infraestrutura foram lançados ou passaram a realizar investimento no Brasil.
O Gráfico 2 apresenta o número de fundos por safra (ano da primeira integralização de capital nos veículos de investimento do fundo) e suas respectivas medianas de taxa interna de retorno (TIR) bruta (antes das taxas de administração e performance cobradas pelos gestores). A mediana de retorno dos fundos foi de 10%, muito em linha com a mediana obtida por fundos de PE como um todo. No entanto, nota-se aumento expressivo para as safras de 2014 e de 2016 em diante. Sendo que o ano de 2017 viu o maior crescimento e desempenho, com lançamento ou início de investimento no Brasil de 13 fundos que, com dados até o exercício de 2020 apresentaram TIR mediana de 76%.
Gráfico 2: TIR Bruta dos Fundos de PE em Infraestrutura por Safra
As safras de 2017 e 2018 apresentaram resultados muito superiores, acima da marca dos 40% de TIR. A abertura expressiva de novos fundos (ou realização de investimentos inaugurais por fundos estrangeiros no Brasil) pode ser explicada pela recuperação econômica e pela intensificação de investimentos no setor de energia a partir de 2015 atrelada à busca por investimentos com viés mais sustentável, como os de geração de energia solar e eólica.
Além do fator temporal no cálculo da TIR impactar matematicamente os fundos mais recentes, é importante ressaltar que grande parte do maior desempenho verificado nos últimos anos pode ser resultante da expressiva queda de juros reais no Brasil (conforme se observado no gráfico 3 abaixo), o que faz com que os longos fluxos de caixa previstos em um projeto de infraestrutura sejam descontados a taxas bastante inferiores, resultando em expressivo aumento do valor presente dos projetos. Assim, o desempenho final desses investimentos passa a ser melhor aferido após pelo menos cinco anos, podendo variar significativamente até a efetiva venda dos ativos.
Gráfico 3: Evolução Taxa Selic e Juro Real
O Gráfico 4 traz análise semelhante à do Gráfico 2, mas dessa vez com múltiplo de retorno sobre capital investimento (TVPI). O retorno mediano de todas as safras é de 1,56x até o momento. Em três das quatorze safras apresentadas houve perda de capital, com múltiplo abaixo de 1x. Cinco safras mais do que duplicaram o capital, sendo elas 2004, 2005, 2007, 2011 e 2017. É importante notar que ainda não houve desinvestimento de parte do portfólio em análise, sendo considerada a avaliação a valor justo de cada projeto nesses casos.
Gráfico 4: Múltiplo Bruto dos Fundos de PE em Infraestrutura por Safra
Principais Gestoras de Private Equity
Abaixo apresentamos as 10 gestoras mais relevantes no setor em relação ao valor e número de projetos investidos. Juntas, investiram R$48 bilhões (71,7% do total) em 122 projetos (67,8% do total).
Gráfico 5: Gestoras mais ativas no Setor de Infraestrutura por Valor e Número de Projetos
Brookfield se destaca tanto em relação ao número de projetos investidos quanto pelo valor de aportes. A gestora internacional é especializada em private equity, real estate, infraestrutura e energia e investe no Brasil desde 2009. Seu maior projeto de infraestrutura foi a Nova Transportadora do Sudeste, empresa de gasodutos adquirida da Petrobrás, que conecta os Estados de MG, RJ e SP.
Pátria Investimentos fica em segunda colocação, com apenas um projeto a menos que Brookfield. É uma gestora com ampla experiência e diversificação, tendo investido em Private Equity, Real Estate, Infraestrutura, e Ativos Reais (terras). O investimento em infraestrutura representa 25% do total contribuído pela Gestora nesses segmentos.
A Actis é uma gestora focada em mercados emergentes. Seus investimentos na Ásia, África e América Latina já captaram mais de US$9 bilhões. Os investimentos em infraestrutura no Brasil são concentrados no setor de energia, mais especificamente na geração de energia renovável, com complexos eólicos e painéis solares.
Projetos e setores
A dinâmica setorial dos investimentos em infraestrutura também sofre alterações de acordo com perspectivas macro e a modernização da Economia. Estimativas da Pezco Economics para o ano de 2020(1) apontam que no segmento de transportes, a logística de cargas sustentou o investimento, principalmente com as ferrovias, preservando o nível de investimento em percentual do PIB em relação a 2019. Já o segmento de energia elétrica experimentou um cenário misto, com algum aumento de investimentos no segmento de distribuição, mas sem avanços nos demais segmentos. Por fim, os segmentos de telecomunicações e de saneamento tiveram queda de investimentos, mas já mostram uma tendência de recuperação forte em 2021, com novos projetos reforçados pelas reformas nos marcos regulatórios. Acredita-se que saneamento e ferrovias serão alvo de investimentos privados nas próximas décadas até que os sistemas de água, esgotos, resíduos sólidos e drenagem estejam universalizados para a população brasileira e que haja maior integração e expansão do setor ferroviário no país.
Os Gráficos 6 e 7, a seguir, apresentam a distribuição do volume financeiro alocado por fundos de private equity especializados em infraestrutura em cada setor e o número de projetos que receberam esses investimentos. O setor de Energia se destaca com pouco mais de 34% do capital investido (R$ 23,4 bilhões) e 76% do número de projetos. Isso devido, principalmente, à ampla gama de possibilidades que o território brasileiro traz ao desenvolvimento de geração de energia por diversas matrizes e sua transmissão pelo território nacional.
Gráfico 6: Distribuição de aportes por setor
Gráfico 7: Distribuição de projetos por setor
O Setor de Óleo e Gás recebeu 31,8% dos investimentos com apenas 2 empreendimentos (R$ 21,3 Bilhões): Sete Brasil e Nova Transportadora do Sudeste (NTS). A primeira, uma fabricante de plataformas e sondas de petróleo, resultou em perda total para seus investidores. Já a NTS, recebeu investimento da Brookfield em Abril de 2017 e apresenta um crescimento médio (CAGR) de receita de 57% nos últimos 4 anos.
Logística e Transporte são representados por 19 empresas e projetos investidos, totalizando um montante de R$ 10 bilhões. Dentre as transações realizadas neste setor, podemos destacar a fundação da Hidrovias do Brasil (HDB) em 2010 pela Pátria Investimentos. A companhia desenvolveu suas operações abrindo rotas e criando portos em rios das regiões sul e norte do país. Realizou seu IPO em setembro de 2020, levantando R$3,4 bilhões.
Já os setores de Telecom e Datacenter começaram a receber investimentos apenas em 2012 e ganharam mais relevância nos últimos 3 anos, sendo que 41% dos aportes agregados de R$ 6,7 bilhões no setor foram realizados em 2021. As gestoras com maiores volumes de contribuição no setor foram Digital Colony (48%), Brookfield (27%) e Pátria Investimentos (18%).
Investimentos de Private Equity desempenharam função relevante no setor de infraestrutura brasileiro, alocando R$ 56 bilhões em 180 projetos ao longo dos últimos 17 anos. Apesar dos desafios ainda enfrentados pelos investidores como concessão de licenças ambientais, riscos regulatórios, flutuações cambiais e restrições fiscais (no caso de PPPs, dado que há um limite de receita corrente dos Estados alocável para este tipo de gasto), o cenário atual de mobilização política para viabilizar este tipo de investimento traz boas perspectivas para o crescimento da tendência de investimentos na modernização infraestrutura do país.
¹ Perspectivas para o Avanço da Infraestrutura Brasileira: Os Desafios da Pandemia e Seus Desdobramentos. Disponível aqui.